sexta-feira, 9 de outubro de 2020


09 DE OUTUBRO DE 2020
O PRAZER DAS PALAVRAS

Ginete

A dúvida vem do leitor Aldriovando R., que se apresenta como "um gaúcho de Dom Pedrito que veio dar com os costados em Palmas, no Tocantins". Diz ele: "Professor, mesmo aqui de bem longe acompanho pelo rádio e pela internet tudo o que se refere à legítima tradição campeira. Adoro a Expointer e desde 1984 colo nuns cadernões todos as notícias de jornal que encontro sobre ela - e é aí que bate o ponto. No ano passado, quando ainda teve a prova do Freio de Ouro, diz um dos recortes que os melhores ginetes iam ser premiados com R$ 200.000,00 em dinheiro. Eu achava que o prêmio ia para os "jóqueis" vencedores, mas meu filho, que está na Faculdade, entendeu que o prêmio ia para os donos dos melhores cavalos. Ajude aí, professor: ginete é quem monta ou quem é montado?".

Os fatos não podem ser negados: em todas as edições do certame denominado Freio de Ouro, quem recebeu o dinheiro foram os cavaleiros que demonstraram mais destreza, habilidade e coragem. Naquele contexto, portanto, não há dúvida de que ginete designa aquele que monta. Uma conferida no Google me informa que na Expointer de 2019 "ginetes e cavalos tiveram de passar por sete provas classificatórias" - acho que mais claro não poderia ser.

Todavia, uma consulta à história da palavra (afinal, já se fala e escreve o Português há mais de novecentos anos!) mostra que nem sempre foi dado esse significado à palavra. Nos textos até o séc. 19, ginete, vocábulo provavelmente de origem árabe, designava o cavalo na quase totalidade das ocorrências - mais precisamente, um cavalo especial. Bluteau, o bisavô de nossos dicionaristas, diz que o ginete "é certo gênero de cavalos dóceis, bem formados, ligeiros e de casta fina". Caldas Aulete o define como "cavalo de boa raça, bem adestrado". Houaiss fala em "cavalo bem proporcionado, adestrado e de boa raça" - e assim por diante. Fica evidente que a ênfase dada às qualidades do animal exclui desse grupo os matungos e os pangarés.

O idioma, porém, tem lá seus caminhos, e o próprio Bluteau acrescenta, como quem não quer nada, uma notinha adicional ao ginete: "Por vezes se toma pelo cavaleiro". Esse significado secundário também vem mencionado nos demais dicionários: "aquele que monta bem firme" (Priberam), "cavaleiro hábil, firme de rédea" (Caldas Aulete). Houaiss diz mais ou menos a mesma coisa - "cavaleiro bom, firme de rédea" - mas é o único que observa ser esse um uso típico do Brasil Sul, exatamente da região de onde provém nosso consulente.

Desta forma, ginete passa a ser, assim, um daqueles vocábulos que se devem empregar com o devido cuidado para evitar confusão. Frases como "os melhores ginetes provêm da Andaluzia" ou "o prefeito vai ao aeroporto receber o ginete que chega hoje do Chile" precisam ser acompanhadas de algum indicador que delimite o significado em que o termo está sendo usado.

Desta forma, ginete passa a ser tão perigoso quanto temporão. Este vocábulo, que é primo do temprano ("cedo", em Espanhol), a princípio designava apenas aquilo que vem antes do tempo - sinônimo, portanto, de precoce ou prematuro. Nos antigos dicionários, encontramos figo temporão, milho temporão, uvas temporãs, casar temporão ("cedo"), homem temporão para o ofício ("imaturo") e assim por diante. Num dado momento, porém, soprou um dos ventos secretos que fazem a árvore do idioma balançar e PIMBA: o significado inverteu! De antes passou para depois, de precoce passou para tardio; nos textos médicos do século 19 ainda se usava temporão como sinônimo de prematuro; hoje, ao contrário, a maior parte dos brasileiros entende por filho temporão aquele que nasce depois que seus irmãos já estão crescidos. Quem quiser usá-los que tome as devidas precauções.

CLÁUDIO MORENO

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