sábado, 4 de dezembro de 2021


04 DE DEZEMBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

O REENCONTRO

O mês de dezembro deste 2021 marca um reencontro inconciliável entre o horror e a verdade. O julgamento da mortandade de janeiro de 2013 na boate Kiss, em Santa Maria(iniciado na quarta-feira), não é um júri comum, similar aos demais no rito do Judiciário, mas - sim - a tentativa de um reencontro impossível.

Sim, pois os 242 mortos continuarão mortos e restará, apenas, a recordação do crime nas sequelas dos mais de 600 feridos e na dolorida saudade dos familiares das vítimas.

Nesses quase nove anos que nos separam da tragédia, tudo levou a amortecer o impacto e, assim, tentar esquecer que se tratou de um crime articulado pela cobiça e pelo desleixo. Não foi "fatalidade", como alegam os réus. Tudo estava preparado para que a morte substituísse a festa. Não havia saídas de emergência e o fogaréu da banda era a "atração" da noite num teto forrado com espuma inflamável.

A dor e o sofrimento feriram Santa Maria inteira, mas - mesmo assim ou talvez por isto - o júri foi transferido para a Capital, onde o horror teria, naturalmente, menor impacto. Já aí começou o amortecimento do crime. O conjunto da sociedade santa-mariense não pôde julgar os responsáveis ou estabelecer culpas e localizar os culpados. Logo, as protelações completaram o arco rumo ao esquecimento, e o júri começou só agora, quase nove anos após a tragédia.

Nem todos os responsáveis pelo horror são réus, porém. Bombeiros e a prefeitura de Santa Maria foram excluídos da denúncia do Ministério Público, mesmo apontados no minucioso inquérito policial.

No dia inicial do júri, o juiz teve de advertir um dos advogados da defesa por perguntar a uma testemunha que sobreviveu à tragédia como se indagasse a um dos incendiários.

Essa tentativa de burlar a história e construí-la falsamente é ato típico das defesas indefensáveis. Não tento adivinhar a decisão do júri. Aguardo, porém, que reencontre o tino para que a justiça não se perca como lodo pelas sarjetas da História.

Enfim, Jair Bolsonaro reencontrou novo abrigo político, filiando-se ao Partido Liberal, comandado pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado e preso no "mensalão" dos tempos de Lula presidente. É o nono partido de Bolsonaro desde que saiu do Exército.

Passou pelo PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL, alguns já extintos hoje. É a mostra de que nossos partidos são meros aglomerados ou vestimentas cobrindo o corpo, como camisa suada que se troca no verão tórrido.

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

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