quinta-feira, 8 de outubro de 2020


08 DE OUTUBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Moro não viu quem é Bolsonaro

No cafezinho da Assembleia Legislativa, entre uma sessão e outra, nos anos 1990, um experiente deputado, uma dessas raposas ladinas da política, me disse algo de que jamais esqueci:

"O político, para ter sucesso, precisa contar com pelo menos um de três atributos: esquema, dinheiro e popularidade". Popularidade e dinheiro todo mundo sabe o que é. Mas e "esquema"? Parece algo subterrâneo, algo promíscuo. Não necessariamente.

O "esquema" a que se referia aquele velho parlamentar pode ser o apoio de um partido forte ou de um conjunto de associações, instituições ou entidades com alguma relevância na sociedade.

Por exemplo: Lula tinha os três. Tinha popularidade, tinha dinheiro de grande parte do empresariado brasileiro e tinha o esquema mais poderoso já montado na política brasileira, com um partido orgânico e sólido escorado em setores da igreja, dos sindicatos, das universidades e de algumas entidades civis, como os sem-terra.

Dilma herdou tudo isso, menos a popularidade.

Bolsonaro construiu sua popularidade atuando no nicho da comunidade que havia sido desprezado pelo PT e, a partir dela e em volta dela, seus adeptos foram construindo um esquema denso e capilarizado. Hoje, empossado presidente, ele tem também dinheiro.

Repare como é mais fácil erigir um esquema ou conseguir dinheiro tendo popularidade. Quando o sujeito é popular, os donos do dinheiro e os líderes dos esquemas dizem: "Vamos apostar nesse cara".

O contrário é mais difícil. Henrique Meirelles colocou US$ 50 milhões da sua poupança na eleição de 2018, para nada. E Haddad, mesmo contando com a superestrutura do PT, também chegou a lugar algum. Eles não tinham popularidade.

Sergio Moro, é dele que quero falar, Sergio Moro conquistou, rapidamente, enorme popularidade. Em certo momento, mais até do que Lula, porque havia menos rejeição a seu nome. Esse patrimônio foi cobiçado por muitos líderes de esquemas e donos de dinheiro. Eles disseram: "Vamos apostar nesse cara".

Sergio Moro viu que aí havia uma possibilidade de investimento na vida política, e viu certo. Mas tomou o caminho errado. Sergio Moro tornou-se subalterno de um político que lhe havia prestado continência no aeroporto de Brasília, num episódio entre o cômico e o patético. Isso, em si, não seria problema. O problema é o que demonstrava aquela cena: que Bolsonaro e Moro são de estratos diferentes e que estavam em patamares diferentes. Moro é um servidor público, um técnico que ganhou popularidade graças a seu trabalho. Bolsonaro é um político profissional, que cresceu por encampar causas que Moro não poderia defender jamais, como o acesso irrestrito da população às armas e o elogio ao golpe militar de 1964.

Moro desceu um degrau, tornou-se menor ao entrar no governo. Recuperaria sua dimensão se, ao sair, tivesse cumprido o que sugeriu: se tivesse feito denúncias concretas contra Bolsonaro. No dia em que pediu demissão, Moro era um gigante inflado de indignação. Mas, aos poucos, a indignação foi murchando, se descolorindo, e ele foi diminuindo de estatura.

Dias atrás, li que a família de Moro quer que ele passe uma temporada no Exterior para que se afaste em definitivo da política. Talvez seja uma boa ideia. Talvez preserve um pouco da popularidade que ele conquistou e que, de forma atrapalhada e ingênua, emprestou a Bolsonaro, esperando que fosse devolvida mais adiante. Não foi devolvida, é claro. Bolsonaro pegou, usou e, depois de se repimpar com ela, jogou-a fora. Como qualquer político tradicional faria.

Moro não viu exatamente isso. Não viu que Bolsonaro é um político tradicional. Semana passada, ao criticar a indicação do novo ministro do STF, ele comentou, em um tweet, que as pessoas estão descobrindo qual é a "verdadeira natureza" do presidente. Depois, arrependeu-se. Apagou a postagem. Mas o sentido do que queria dizer ficou. Moro também não sabia qual era a "verdadeira natureza" de Bolsonaro. Enganou-se grandemente e está pagando pelo erro. Muita gente ainda vai pagar.

Nesta quinta-feira, a partir das 19h30min, vou receber um grande galardão: o de colunista de jornal mais lembrado pelos gaúchos na Pesquisa Top of Mind, da Revista Amanhã. A entrega do prêmio será virtual, mas estarei lá em espírito. E em imagem também. Veja no canal da revista no YouTube.

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